O necessário e um pouco mais.

Categoria: Letras Page 6 of 12

Carnaval

… cansou de escrever poemas pra uma vida que não rimava com nada, que não prestava pra nada e que faltamente só rumava escada abaixo pro porão e arrumava um pretexto pra desarrumar seu coração. Sol entre frestas, sinos e sons de carnaval, poeira, rabiscos, discos riscados, destinos conhecidos, copos quebrados, corpos suados, final revelado: amor velado. Novela, o carvão e a tela trincada, pergaminho manchado de nanquim: nada ficou de você em mim – além dos endereços dos bares e dos lares em que vivemos [jun-tos]. Não faz mal.

Fique sabendo que eu tô legal.
Foi sem querer.
Eu me apaixonei.
Chorei… Sorrí… Mas eu nunca menti.
Insensatez.

Calma

Janeiro terminou assim: pisou no chiclete, esqueceu aniversários, boletos; perdeu chaves, juízo e assim abriu portas tortas pra desbravar caminhos certos. De certo, n’alguma vez na vida estava certo: tem mesmo é que perder o juízo e dar prejuízo pro tempo, pra ele passar mais lento e cada minuto durar mais – ralentar os ponteiros, ramelar com a saudade e não estender as vontades do peito e ajeitar um jeito de re-a-li-zar. Nem sempre a alma entende o corpo; coração não é metrônomo e a cabeça não é batuta – e nesse dueto de embate a luta deixa biruta tudo de bom que vagueia por aí. Janeiro. Rabiscou poesias em partituras e a vida dura forjou reis sábios e reinos fortalecidos na sua alma. Calma. Não tem mais tanta pressa [o tempo entregou uma pausa]. Acalma a alma de chiclele nesse jeito de moleque e sonha. Vai buscar janeiros…

Mar

Idas e vindas; passagens, partidas… A imensidão do mar não é tão grande e forte como Deus. Pronfundo, intenso, imenso, é Ele que cura nossas feridas e apaga as nossas dores, assim como o mar, o vento, fazem com as marcas que deixamos na areia… Fica o cheiro de mar, o sal e o sol na pele e uma vontade de sempre voltar… Volta.

Sabiá

… existe uma certa solidão no final de tarde de domingo que nem torcida de final espanta. Um movimento lento vai acalentando a cidade enquanto pensamentos voam livres como sabiá.

O bar já vai fechar – e dentro dele ainda tem muitos corações abertos, dispersos, despertos e mais pertos da verdade: não é certo sofrer de solidão num mundo de bilhões.
Por sorte ou por decreto deveria existir um lugar para cada coração e um tempo para cada olhar brilhar ao encontrar outro olhar brilhando.
Onde ou quando, isso tudo vai se transformar em poesia pra contar historias bonitas, de solidão sucinta e uma paz infinita – aquela de saber e sentir onde é o seu lugar e qual é o seu momento nesse mundo de bilhões.

Por onde for, vai encontrar amor e um triz de solidão de tardes de domingo. Vai pra gritaria da torcida enlouquecida. Aprende a sorrir como o canta o sabiá. Não esquece de regar as plantas – e cuidado com o que você planta.
Dança. Canta. Deixa a porta aberta, deixa as chaves, deixa os tormentos, deixa sem sentido mesmo, a esmo, e segue no sentido contrário da dor até encontrar a flor nesse lugar estranho que é o coracao: amor. O tempo é o pensamento: vai voar…

Sexta

O que há no calor das chamas que atrai e repele?

O que tem no cheiro dos lençóis bagunçados no fim de semana?

Quanto tempo dura um filme pra dois abraçados no sofá?

Deixa chover, pode chorar. Não adianta pensar no que não foi.
Foi.

Sexta-feira, derradeira chance de um lance diferente acontecer com essa gente que sempre esquece o que é viver: a-mar.
Amar.

Amar como vela feita pro mar; como surfista. Amar com as cores e a leveza de pipas. Amar como estrela que morre e deixa sua luz, que reflete na lágrima da noiva sobre o véu que o pai conduz. Amar como o mar: quase infinito, profundo. Amar como quem dançar na chuva sem medo de resfriado, sem pensar no que os outros vão pensar. Amar e se amar porque é assim que foi [é] feito pra ser. … e pra durar – não uma eternidade, talvez – mas se acabar, que seja como poeira num show de axé ou de estrelas em rastros de luz… Buzina!
A cabeça acelera a milhão e foge do coração escaldado batendo sufocado pra lembrar que a vida está aí – e ainda bem que chove pra você dançar na chuva.

Não precisamos de guarda-chuva, nem de lágrimas na chuva. Viajar entre os fones, pode! Então, se curva diante do tempo e pede um momento pra recombinar os atos, apagar os hiatos, realinhar os astros que seja, pra você rabiscar roteiros impensados, paixões de cinema, trilhas e temas… Copo quebrado, gargalhadas!

Voltou pra casa como quem esperasse [re]encontrar um lar ou mares salpicados de poeira de estrelas ou ainda um bar com mesa na calçada ao ceú forrado de lâmpadas elétricas suspensas pelo infinito… Viajou de mochila por universos de sí e parou no sofá. Adormeceu, inerte às luzes e histórias da TV.
Sonhou, era um dia de sol: porque um dia de sol é melhor do que uma noite de chuva… Só.

Perseguimos desejos que não fomos ensinados a lidar, sonhamos sonhos que nem sempre temos a capacidade de realizar e buscamos o amor sem nem contemplar o alvorecer.
O que vai ser quando o tempo passar?
Onde vamos estar quando invernos e segundos trouxerem neve para a nossa cabeça?

Deixa.
Deixa como está, mas a gente precisa parar.
Existe um iato tênue entre um instante e mais uma foto na estante, sobre o piano ou em mais um documento – novo, de novo. A gente meio que se acostumou a… perder.
Perder documento, acontece; perder um amor pra vida, também.
Sem documento e sem lenço.

Perdemos o trem, o plumo e os planos. Seguimos em frente percebendo a cidade envelhecer e a vida trazendo outros rumos.
Segunda via, lenços de papel, lágrimas recicláveis, esquinas, placas, olhos, terminais, festas, frestas, sinais… A gente só precisa parar e observar…

Segundos

Noite longa.
Não acertam os ponteiros. Sem roteiro, muita vontade; pouca coragem. O ponteiro dos segundos bate no pensamento e rebate no coração. Hoje, não. Já era tempo pra falar sobre o que não se queria falar, mas hoje, não. Só hoje. Não dá. Noite fria, rua vazia, azia de pensar em terminar o dia assim: fim. Enfim, já se sabia o que [não] ia ser. Agora é esquecer ou lembrar, tanto faz. Os segundos passam e não dão paz: batem, rebatem, gritam… Covardia.
Saudade.

Lama

Tinha uma prisão sem muros dentro de sí. Cansou do escuro da indecisão. Decidiu ir – porque ir embora foi a melhor decisão que tomou naquele capítulo. Virou a página. Deu um ponto final. Deu um ponto final nas coisas que lhe faziam mal. Era final de tarde de fim de semana. Sem grana, deixou o drama na lama, virou a esquina e sumiu.

Possibilidades

Gostava disso: partir sem ter planos. Sabia que podia voltar quando quisesse. Só não sabia o que encontraria pelos caminhos… E disso gostava ainda mais.

Feira

Sábado, sol, feira – quanta asneira fica no cache depois da sexta-feira: gosto de guarda-chuva na boca, serpentes na mente, flashbacks de gente e sons em tons abstratos em contato com o veneno que escorre para o coração. Envelhecer e ter boas histórias para lembrar e contar é um dom. A baladeira e a rezadeira nunca vão se encontrar para costurar uma colcha de retalhos e fotografias. O feirante grita e mexe com as moças bonitas enquanto o carteiro passa cheio de postais e boletos. O taxista faz fofoca e espera por clientes. Um velho lava o quintal; outro, alimenta os pombos. Quantos tombos até chegar alí só pra esperar pela morte – que sorte. Sábado, um dia qualquer e uma mulher decidi trair, um jovem decidi fugir e um cão reencontra o lar… Dia de feira, ontem foi sexta-feira e daqui a pouco já é carnaval.Tem resto de gente que a noite não tragou, latas no bolso do terno com traças, isqueiros e corpos que não funcionam… Passa mais um ônibus, um carroceiro, um cadeirante e um errante em busca de um táxi que o leve de volta para algum lugar… Sábado, não faz mal se ainda não encontrou alguém pra amar, dividir o tédio e escrever boas histórias… Não faz mal. Não-faz-mal.

Page 6 of 12

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén