Um vermelho desses de batom barato borrado de desejo, de luz de bordel no fim de noite, de dose de Campari no copo sujo, da fumaça dos inferninhos dos pecados da cidade, do lenço do barão, do lençol do motel, do vinho no terraço… Som no tom das dores do mundo, dos gemidos da melhor amante, dos gritos da massa revoltada, das tardes de chuva fria e cinza, das torcidas, do coração pulsando em dó, da soprano de vestido vermelho cantando Lakmé, do blues sincopado mais triste do mundo, de improviso, como diva de casaco vermelho que desce a Augusta desviando dos bêbados e dos amores inacabados, de salto alto, de quem chega sem avisar e arranca suspiros, de batom rasgando o espelho com o recado do fim, do desterro, de quem parte pra nunca mais voltar, de inspiração eterna e pura… Muito prazer, Helen.
Autor: Sergio França Page 9 of 12

…final feliz se tornou um produto, perecível, comum, médio e sem muitas variações de tamanho, cor, sabor…
… felicidade sem fim – sem manual de instruções, simples, direta e certa – é o que todos buscam… É o que todos querem…

… quando o farol abriu, o coração dele acelerou ao ver ela atravessar a faixa até o outro lado da rua, até um ponto cada vez mais longe, até um outro lado do mundo, até perder de vista, até esquecer o telefone, o cheiro do cabelo, as gargalhadas… Titubeou em levantar e correr atrás dela, pegar pelo braço, olhar num enlaço, pedir pra ficar, beijar… Dava tempo – sempre dá. Limitou-se a sinalizar para o garçom que prontamente entendeu o que ele queria: amor. No entanto, naquele momento ele só tinha umas doses para anestesiar a dor da perda. Um trago, um cigarro….
– Essa noite vai ser longa pra caralho, pensou. Não chorou, mas sofreu – e como sofreu. Bebeu, engolindo o choro a moda cowboy, sem gelo. Saideira. Quem fica com a conta dessa culpa? Quem paga a gorjeta da desculpa? E o que vamos dizer para o garçom?

Não era pecado algum sentir cansaço. Alí tinha um coração improvisando batidas em impulsos de lamentos. Reclamou, chorou e gritou por tudo que aconteceu… Passou. Coisas boas e ruins aconteceram; aceitou as duas. Arquivou tudo e a lição mais importante deixou numa gaveta mais próxima: não era preciso muito para viver feliz. A vida dura era amortecida pelo coração mole e a alma de algodão. A esperança – essa ou uma outra droga alucinógena – tinha voltado e desacelerava, como trem na estação… Embarque. Lá, doutro lado, contrário, vinha ralentando a decepção, cheio de gente acostumada a aceitar um desembalo, um acalanto triste… Nem quis saber. Seguiu rumo a esperança…

Tinha medo de avião e um violão que ajudava a contar sobre o amor e outras histórias. Tinha medo de avião, mas não do amor – ele achava engraçado uma geringonça pesada planar como pluma no ar. E assim se sentia: leve, a cada toque… Nunca foi amigo de muitos – nem da onça -, mas tinha amores a rodo, ao todo o suficiente para se sentir contente, pois a vida não passou em branco, não foi só pranto, tinha calor e cor. Um canto, o canto, o violão, um banco, um lugar o esperava para ele chegar e cantar. Colecionava algumas decepções que se tornaram músicas engavetadas no tempo, no compasso do seu coração cheio de lapsos. Extravasava as paixões que deixaram boas lembranças e sempre pensava: eu posso pensar que eu posso voar num grande avião que possa me levar pra dentro do seu – grande – coração… E fazia isso cada vez que pegava o violão e cantava… Poderia ter ido até ela, mas não. Foi por medo de avião, não do amor.

Definitivamente: coisas que só o coração pode entender – como se o coração lá entendesse alguma coisa! Não importa – é impossível ser feliz sozinho, não é mesmo? Talvez, ela tenha encontrado uma forma de ser feliz sozinha, sem fórmulas ou manual de instruções; ele, não. Tudo bem que foi mais fácil aprender tocar violino – e ela adorava improvisar sobre as músicas do Tom. Ele só pensava nas linhas de programação quando um som o atraiu. O moço desconcertou a moça enquanto assistia o concerto dela – e ela quase perdeu o tom. Eles se olharam e se viram – e se reconheceram. E o resto era mar e tudo que eles ainda não sabiam contar: coisas lindas que um tinha para o outro. Fundamental.

omo um rio que mora no mar, suas melodias se aprofundam e se dissipam no peito de quem passa com pressa diante da sua dor de aluguel, de paixão de papel queimando no calor dessa cidade, onde persiste o amor. Desilusão – ou má sorte. Ele persiste e permite até certa solidão naquele lugar por onde todo mundo só passa. Alguns trocos, sorrisos, acenos… Ninguém fala do amor dele ecoando em músicas, mas alguns poucos sentem. No compasso de passos ansiosos e perdidos, no pulso de corações feridos e cansados, nas conversas cheias de pausas longas e tediosas, todo mundo passa, ouve e sabe: existe amor. Sim, ainda persiste o amor. Mais um trocado, uma moça bonita observa de lado e sorri. Chapéu no chão, coração na mão. Da capo.

Inconsequentemente, procurou pela cidade algo que naquele momento só podia estar em seu coração. Gritou e esperou por uma resposta. Era só mais um dia de chuva e vento, chato, lento, de lamento e silêncios meio a buzinas e retinas cheias de luzes de faróis. Uma resposta e só – acabaria o lamento, tormento para a sua vaidade numa cidade sem idade, de poucos amigos, poucas verdades e um gosto de paz. Um lamento, uma resposta; era essa a sua aposta… E só.

Deus sabe até que ponto pode provar uma alma – e Ele nunca vai além disso. Ele sabia disso e provava. Por isso, do seu jeito, no seu momento, no seu lugar, rezava todos os dias. Mesmo sem palavras, sem pedidos, mesmo sem entender… Essa era a sua verdade, na medida e no ritmo que confortava o seu coração.

É só mais um trem para levá-lo a qualquer lugar – poderia ser um navio mercante ou um camelo. Já não tem mais perguntas sem respostas porque aprendeu que não precisa ter. Tão clandestinamente como civil que embarca num navio mercante ou turista japonês que passeia de camelo vive a vida sem credenciais e só com alguns poucos mapas e uma gaita. Quer conhecer diversos lugares e o que precisa cabe na sua mochila. Aprendeu muito em todas as vezes que se perdeu pelos caminhos e assim descobriu que tem duas respostas para tudo – e que elas se cruzam como encruzilhada: o tempo…
… e o foda-se.