O necessário e um pouco mais.

Autor: Sergio França Page 5 of 13

Sinfonia

Não tava nem aí. Sol da noite, flor da noite. Sorriu sob a sorte dos segundos de relógio digitais, passou um dia bem estranho para terminar assim, numa noite tão linda… Um jeito simples no olhar e no caminhar sinalizavam uma certa vontade de parar num bar desses com mesas na calçada, sentar, pedir uma cerveja e decidir sobre a vida até o horário do último coletivo. Um dia de semana qualquer, só mais um, nada de especial além do fato de que naquele instante sucumbiu à uma incontrolável vontade de mudar as coisas. E resolveu começar logo pela vida mesmo, como quem formata um computador, sem cópia de segurança. Muitas andanças se deram até chegar ali, naquele bar, naquele segundo copo, naquele corpo descansado de tantos espelhos, mas com um olhar atento para perceber o melhor da vida. Passa um casal feliz, um cão esperto atravessa a rua desviando do malabarista no sinal. Umas notícias esquisitas na banca de jornal. No entanto, já estava talhada pelas coisas que o mundo faz pra ser notícia no jornal. Pediu outra, agora mais gelada. Sorriu discretamente pra si e agradeceu pra alguém erguendo o copo naquele espaço entre o seu sorriso e o mundo… Enfim, encontrou, meio àquela sinfonia urbana, entre faróis e lençóis, o seu momento de paz.

Insídia

O que é a espera para quem espera por quem não vem? O que nos tornamos quando esperamos por coisas que não vão acontecer? Alguém já sabe o que há de ser da espera, tanta, e desse tempo que passa sem respeitar o que sentimos. E qual seria o sentido dessas tantas esperas que cultivamos nesta – ou numa outra – vida? Esperamos pelo amor, nunca pela dor da falta. Esperamos pelos gritos de gol, jamais pelas vaias da derrota. Esperamos um bater na porta de inesperada visita boa de fim de tarde, com café e boa conversa, mas nunca estaremos preparados para quem toca a campanhia e sai correndo…

Esperamos por outra(s) vida(s) e nem sempre percebemos que os cinco minutos seguintes já não nos pertence mais. Esperamos uma música de rádio nos trazer lembranças de quem está distante nos pegar de supresa, mas jamais esperamos pela grata surpresa desse alguém aparecer no portão ou mandar um cartão postal… Esperamos. Esperamos pela mensagem na garrafa que cruza oceanos, nem sempre por um abraço. Esperamos por perdão, pelo trem, por tardes de sol e chuva em dias de casamentos. Esperamos por trocas, esse escambo de vontades e emoções, no entanto nunca sabemos negociar com o tempo. O tempo que não espera a nossa espera; passa. Passou. Passará… Esperamos a vida inteira por pessoas, coisas, situações, histórias… que não vêm, nunca virão.

E uma certa saudade encosta e nos faz companhia… e o tempo, ri.

Mente

… a vida é bonita. Palco cheio de sorrisos. Nos pés descalços, perfume de talco com cheiro de lembranças de infância. Som vibrando como água fervendo. Olhos de coruja em noite de lua cheia no azul mais frio. Peito em festa; nos olhos um rio. O que não presta sai, o que é bom encontra uma fresta, entra e fica. Ouvir o que não conseguimos ver; sentir o que não conseguimos ouvir. Falar e chorar pouco; rir, sorrir, sempre. Mente pra mente que ela acredita e engana o coração – e faz ele se divertir.

Feliz

eu só tentei ser feliz; eu, só, tentei ser feliz.

Esquinas, sinas, sinos da meia noite de mais um dia de neblina no coração. Pensamento lento livre igual um sabiá. Quantos mistérios até te encontrar? Nas esquinas da cidade ou sina de viver de de repente. Era mais fácil ser feliz. Seria mais lógico, mais provável, talvez, até, inevitável… mas a vida – ou o destino (atroz) – não quis. Mais uma última canção, mais uma saideira, mais uma explicação para o inexplicável.
Me diz o que eu fiz: eu só tentei ser feliz; eu, só, tentei ser feliz.

Aluga-se

… as luzes da cidade iluminam a bondade e a maldade e toda a dualidade que existe e insiste em discernir o lado A do lado B, distinguindo o eu de você de você mesmo pro mundo. Um absurdo não conter o que se deseja saber do que se busca sentir. É como mentir sobre ser; como parecer ter o que nunca se viu; falar sobre o que nunca ouviu; crer naquilo que não se toca, mas invoca a presença. Licença, que não se apague a luz dessa noite. É hora de (des)amar. É momento de estar onde existe um ponto de luz nessa escuridão: você no centro no estádio vazio – uma solitude na solidão. Aluga-se um coração. Tratar aqui.

Outonos

… folhas secas de outono, de abandono. Lugares, mares, anseios e solidões. Sim, acabou, enfim o fim chegou ao fim. Talvez, ainda sonhe os planos – pois nem tudo acaba em desengano. Pode ser que ainda exista, sim, aquele alvorecer no olhar, um perfume de manhãs, de maçãs, de movimento de mar… Sim, acabou e não tem vollta, não tem sobra nem sombra. Assombra pensar nas voltas do mundo, que a vida dá, mil navios e mil mares para encontrar a areia e encalhar. Sabia, por fim, que seria como farol para suportar a força das águas revoltas, se manter firme na rocha fria, iluminando perdidos no perigo das incertezas da escuridão… Ainda tinha uma força indescritível de mar de talhar rochas e sucumbir navios dentro de si e sempre que sentia a vida em brisa, em brasa, sabia que, enfim, podia amar como o sol… Enfim.

Domingo

A saudade é um domingo entardecendo ao poucos, aos loucos de amor, aos roucos de gritar por amor, aos poucos a acreditar no amor… Qual é o real valor de um raio de sol para quem se esconde nas sombras? O que sacia um pão pra quem vive de migalhas? O que a fé faz transformar, ajuda ou atrapalha? Amor é dor? Dor é só dor? Qual o valor dessas lembranças tolas e silenciosas pondo a prova e de joelhos os nossos maiores medos? Segredos. Saudades. Maldade o dia entardecer assim…

Chuva

Cidade em dia de chuva e reflexão. Roupas molhadas, lágrimas de copos e corpos suados. Almas lutando só diante de verdades coletivas. Quintas intenções e corações em fogo. O jogo seria continuar apostando sem fichas como quem sabe que vai pagar mais caro pelo guarda chuva… Poucos perdem guarda sol. Lágrimas rolam das montanhas para os vales e lavam todos os males. Silêncio, vazio, quase frio… Choro rio e rio desse sol dessa noite triste, mas bonita… Vai chuva, buzinas – sorrio!

Água

… pra onde iremos nós? Pra onde vão as chaves e sonhos que nos fizeram perder o sono? Pra onde vai a verdade em tempos de descrença? Pra onde vai o tempo que perdemos? Pra onde? A água que escorre no meio fio não tem destino certo. Passa um rio aos pés de um mar de gente pra desaguar num bueiro cheio de mágoas e bitucas de cigarro. Mais uma dose, um trago. Estrago certo, caminho incerto. Por perto, vidas esquecidas, fim de tarde, tempo cinza, meio frio… meio fio, cinzas, mágoas, cigarros acesos; almas apagadas. Vai chover, vem água – e o tempo passando… e levando quase tudo… Quase tudo.

Adágio

… infinitas convenções conjungam num acaso – e isso já sabia. Duras ânsias conduzem para lugar nenhum, onde alguém que detém serenidade e sabedoria vende as respostas para às dúvidas de uma noite fria. A vida aposta corrida com o tempo, invisível como o vento passando no rosto exposto a poeira que levantou de estradas, as folhas que sucumbiram a outonos, a verdades sem dono… Talvez, numa outra sorte, no retorno reencontre caminhos por onde vendavais passaram e fúrias profundas e frias dilaceraram terras e se fundiram em trevas no seu coração. Não sentia mais. Sem poesias nas palavras; sem músicas no silêncio. Em segundos, viajou por universos cinzas e os coloriu enquanto tingiu as chuvas misturando as cores com vendavais – e mesmo assim, não sentia mais, não vivia mais, não queria mais… Vento tardio, vadio, esvaziou corações,varreu folhas em branco, partituras… Cem poesias nas palavras; cem músicas no silêncio. A vida é um adágio.

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