O necessário e um pouco mais.

Autor: Sergio França

Panos

Outro trago era tudo que lhes restava. Mais um. Viciados em solidão, compartilhavam a cura passageira no mesmo copo. A sorte derradeira era poder enxugar o suor dos copos e das almas no mesmo pano aos domingos. Não tinham mais planos, mas muitos sonhos adormecidos pelo tempo eram sempre assunto naquela mesa: filhos, jogo do bicho, Opala preto, final de campeonato, Salvador, comida mineira, show do Roberto Carlos, casa, festa de aniversário… Sonhar era quase um castigo.

Carnavais

Era carnaval. Já ousava amanhecer. Ele anoiteceu na farra e ainda esperava por um amor – ainda que fosse desses de carnaval, anônimo e perecível, não mais surpreendente do que um desfile. Da concentração dos blocos à dispersão do porre, sentiu seu amor passar tão perto quanto o som da bateria que eclodia no seu peito, mas não o encontrou. Desfilou vaga e solitariamente embriagado de tédio. Triste foi do Paraíso à Consolação. Nem era quarta-feira quando entrou no coletivo lotado – como se ainda estivesse num bloco – e sumiu.

Andarilhos

Cantava “minha vida é andar por esse país” e no coração ecoava “mas como eu não tenho ninguém eu levo a vida assim tão só. Em comum, aparentemente, todos nós só queremos um amor – ainda que seja mais fácil aprender a tocar sanfona.

Música

Tocou como nunca fizera antes, despertando uma paixao adormecida e empoeirada como um velho piano desafiado. Não existia mais silêncio no coração dela: pulsava forte e leve como um bumbo em desfile das campeãs. A neve nos cabelos já precipitava um certo desconcerto para amar de novo… Mas o coração – ah, o coração – não tava nem aí. A moça e o moço nunca se viram e se reconheceram quando ela tocou a música que o coração dele queria ouvir. E foi bonito de ver e ouvir…

Despertador

Quis perder o ônibus. Não tinha bilhete, nem relógio, nem medo, nem vontade de voltar. Eram quase oito quando percebeu um relógio por perto e sentiu que a hora de ser feliz estava por despertar como alarme… E ele já tinha acordado do sonho e levantado da cama há muito tempo…

Partida

Ele gritou pra ela voltar.
Ela até pensou em ficar…
… mas fez que não ouviu, ignorou o coração e seguiu…
Foi embora e nunca mais voltou. Nunca mais.

Separação

… pareciam corações entrelaçados pulando o muro pra se encontrar…
mas…
… eram só arames farpados…
presos sobre um muro duro e alto…
…entre eu e você.

Locomotiva

Ficou como se esperasse por um último vagão… que também chegaria, lento, vazio, como o seu coração.

Obituário

Todos os dias se morre um amor.

Trillos

Meia-noite e cinco
Vamos embora ou perderemos o metrô.
(Chegou a hora do que era amor voltar a ser dor.)
Dor de saudade, dor que não passa
Passa metrô, passa. Passou.
E agora que já é tarde para viver o tempo que não tivemos para entender o que não sabíamos como que viria a ser.
Agora é. Agora tarde. Agora é triste. Agora é medo.
 – Que maldade! Mas, amor não tem idade, não morre de velhice, não termina assim.
Não  nasce, acontece. Não some, permanece. Não grita, enlouquece.
Não se esconde, nem se envaidece. Mente um pouco, finge de louco.
A noite passa e mais um metrô vem  e você nem pensa em me deixar.
Vamos embora, dói mas vai passar, como outro metro que vai chegar e partir
Como outra partida de sinuca, como outra cerveja sobre a mesa.
Não vamos deixar esquentar – a cerveja, não. Quente  só a cama, o chuveiro, o café.
Pois é. Mais um metro vai passar cheio de gente apressada e esquisita – e que não sabe do nosso amor, pois nunca entenderiam que até a nossa dor também é amor.
Amor que não passa como metro…

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