Qual é o sentido da vida? Por que o céu é azul? Quem inventou o amor? Pra onde vão as chaves que a gente perde? Quem sou eu quando ninguém me vê? Biscoito ou bolacha? O que vou ser quando crescer? Eram muitas perguntas para uma vida que o despertava todos os dias já mudando as respostas. A verdade posta a mesa como ratatouille o condicionava a ver além da ilusão que criava cada vez que primeiros raios de sol alcançavam a janela do seu quarto. Acordou pensando em mudar de emprego, de cidade, de religião… A verdade não o permitia ir muito longe e sonhar. Sonhar era proibido quase que por lei. A realidade era a mesma de sempre: lutar e seguir em frente. Eram muitas perguntas para poucas respostas, mas pelo menos já sabia o sentido da vida… E seguiu.
Autor: Sergio França Page 10 of 12

… tinha sim um jeito meio preguiçoso de andar. Já estava quase na metade da vida e não se importava mais com o preço do chuchu ou sobre o que pensavam sobre o fato dele ainda colecionar selos. Uma nova vida se revelava para ele a cada alvorecer e ele sabia e gozava disso: comprou uma camisa de futebol, fez uma receita de família, convidou amigos pra jogar cartas, jogou fora tralhas e sonhos tolos e empacados, fez de conta que não tinha problemas – e vivia melhor assim. Trocou o espelho por um quadro que pintou, colorido e vivo, pois não precisava mais se ver… Começou a se enxergar e se perceber… Não era domingo ainda, dia de jogo, mas ele tinha uma camisa nova – e uma vida também – e estava feliz pra caramba.

Cheiro de chuva de fim de tarde. Arde a chapa e esconde a agradável essência do café… Sabe como é: segunda-feira, incêndio, remorsos, fotos, café ou cerveja nas mesas já revestidos de feriado e cada um já sabe o seu lado. Ela escreve – poesia? – e ouve Nirvana; a outra fala sobre o dia, os planos de final de ano, as promessas de emagrecer, eliminar matérias, limar gente que não que presta da lista telefônica, namorar ou se aventurar a ter um bicho de estimação no apartamento – a mesma coisa. Café esfria, cerveja esquenta, muita conversa de gente que só lamenta. Uns beijos, uma porção de queijo, trânsito, chuva, calor e alguém passa cantando Cazuza. Daqui a pouco já é Ano Novo de novo. O tempo não pára – não pára, não.

O menino na selva de pedra, olhando pro céu como quem caça pipas, inerte diante da massa movediça de carros da rodovia. Que agonia é ter que dividir o seu quintal com tanta gente louca, sempre apressada, que passa, acelera, fecha de pirraça, transita – ou parasita – por alí sem nem perceber o menino brincar, sem nem aceitar que o tempo passou, que já foi criança, que na lembrança não tem pião, bola de gude ou rolimã… Segunda, fim de tarde, um menino, pipas no céu, pés no chão… Lá vai – lá doutro lado – um homem, um coração na mão…

A vida é assim mesmo: um jogo. Play. Chove lá fora; queima aqui dentro – leito de escuridão. A vida sempre dá o seu jeito e ele fica na contra mão. Caçapa do canto. Toca rock, pop, blues… A noite é uma criança mesmo. Brinca. Trinca os copos e uns corações também… Play.

Nem era sexta quando decidiu: é hoje que vou me apaixonar, então toca um samba aí, dos bons! Palco armado, luzes, sons, ambiente de anseios suspensos como fumaça e o lugar cheio de gente cheia de coisas pra mostrar pro mundo – ou para alguém que fosse. Mais uma e essa desceu doce, como se alimentasse aquela alma vagando pela noite, em busca de um hiato na vida dalguma alma que lhe provesse atenção e um norte pro seu coração. Sempre tem a história da moça e do moço, a cidade, o pretexto, um desfecho… Mas naquela noite não teve jeito, com decote e sem norte, permaneceu forte no mesmo leito de tédio. Só, saiu do canto, foi cantar, dançar, beber e acreditar que talvez era esse o seu jeito de ser feliz. Ancas leves, pele suada e um certo desconcerto ao entoar o velho refrão: ex- amor…

Distraído, olhava pro céu e achava moedas no chão, enquanto voava por aí sem a mínima direção, em busca de descanso, de um abraço, um lar… De novo, estava alí, no balcão, o mesmo bar e no fundo do copo sujo encontrava perdão por seu coração. Só mais uma dose, um trago, um cigarro solto… A vida já tinha dado o troco e o resto era improviso.

A moça e o moço na mesma cidade esperam encontrar o amor. Eles não sabem o ofício um do outro, nem o nome, a devoção por rock, o gosto por lasanha e viagens só de mochila. Ele não sabe dela, mas já tenta encontrá-la há tanto tempo que ela, que sempre procurou por ele, já se cansa da espera e passa tardes e estações a se perguntar: onde você está? Sorriem um para o outro em pensamento e quando o dia termina se perdem, como quem acorda do sonho – porque foi só um sonho? Queriam que fosse pra sempre, que não tivesse fim – mesmo sabendo que até o que foi feito pra durar pra sempre um dia tem fim. Se desejam e desejam se encontrar, mas não sabem onde procurar, mesmo estando tão perto, na mesma cidade…

Só mais uma dose, um trago, talvez um cigarro. E lá se vai mais um dia, que começou com o leite frio esmaecendo o café quente, gente apressada, notícias do tempo e pensamentos sobre o que realmente vale a pena nesta vida, que rompem o dia até chegar alí. Só mais uma dose, é muito assunto e a cerveja esquenta; a peleja é muita e alguém lamenta não ter a coragem de tentar fazer o que gosta, de ficar com quem ama, nem que seja para trocar o drama por ficção – porque a vida está esquisita aqui desse jeito. Mais uma dose, só esse pleito: saideira, caidera, derradeira… Sem respostas, sem conclusão, só muita indagação. Já é tarde. Televisão ainda ligada, já começa a madrugada. Daqui a pouco começa tudo de novo. Um homem varre os cacos de almas despedaçadas e avisa que vai fechar. Agora, só resta dividir o que sobrou dos sonhos e a conta…