Tinha medo de avião e um violão que ajudava a contar sobre o amor e outras histórias. Tinha medo de avião, mas não do amor – ele achava engraçado uma geringonça pesada planar como pluma no ar. E assim se sentia: leve, a cada toque… Nunca foi amigo de muitos – nem da onça -, mas tinha amores a rodo, ao todo o suficiente para se sentir contente, pois a vida não passou em branco, não foi só pranto, tinha calor e cor. Um canto, o canto, o violão, um banco, um lugar o esperava para ele chegar e cantar. Colecionava algumas decepções que se tornaram músicas engavetadas no tempo, no compasso do seu coração cheio de lapsos. Extravasava as paixões que deixaram boas lembranças e sempre pensava: eu posso pensar que eu posso voar num grande avião que possa me levar pra dentro do seu – grande – coração… E fazia isso cada vez que pegava o violão e cantava… Poderia ter ido até ela, mas não. Foi por medo de avião, não do amor.
Ano: 2017

… eu andei, andei e voltei pro mesmo lugar.
Sempre vai tocar um samba triste num lugar cheio de gente alegre. Será breve – porque a alegria está nas batucadas mais atrevidas -, mas vai doer. Vai te fazer crer que muito do que se acreditava era furada. E você vai dar risada da sua tolice – e tentar fazer da queda passo de dança pra disfarçar a lambança que se fez.
Dó maior; lá menor.
Sol!
Então, samba.
Vai e volta dançando, sambando, cantando nesse salão que tem no peito… Deixa o choro pro cavaco. Sem baixo astral – só partido alto.
Amanhã é muito do que foi feito hoje.
Faz uma coisa: vai ser feliz. E basta.
Samba.

… luz. Somos conduzidos por luz. Na luz está o nosso norte, a nossa sorte, a nossa vigilância para as trevas, o nosso farol para nós guiar para o bem. As sombras emolduram os caminhos que precisamos seguir ao encontro da luz, marcam um limite entre o bem e o mal. Tem muita gente que emana luz e ninguém vê, porque se acostumou a andar por caminhos onde nem o sol, nem a lua, nem as lâmpadas – elétricas suspensas pelo infinito – alcançam… E tem aqueles que são cheios de luz – de Deus, de paz, de fé e verdade – e esses sim seguem em frente, iluminando caminhos, túneis, ninhos, lares… Somos feitos de luz e precisamos seguir para onde a luz está… Como gota d’água que encontra um rio, como um rio que deságua no mar, como mar que bejia o sol e acalenta a lua, refletindo estrelas e histórias… de luz.

Bad, tédio, gripe – mas pra tudo tem remédio, pensava. Viajava em cada carro que passava vindo d’algum lugar para qualquer destino menos frio e resfriado. Suspirava vendo casais atravessarem na faixa. Respirava o cheiro de cidade e solidão. Quase entrou na igreja antes de desistir do café. A vida tava tão chata e estranha, mas tinha manha, pois sabia que a alegria viria logo cedo, pela manhã. Entardeceu maldizendo a vida; anoiteceu com uma fração de fé – a alegria vem pela manhã, não é mesmo? Só precisava que o coletivo chegasse logo para teletransportar seus anseios de volta ao lar. Um brigadeiro de panela e uma vitamina C. Talvez, bons sonhos… E a alegria rompendo a manhã… Amanhã, talvez.

Tinha o mundo no nome e debaixo dos seus pés. Ganhou asas aos primeiros passos, desatou os laços e ganhou alturas. Todos dias ele caminhava sob a copa das árvores e pensava nos sonhos que ainda tinha pra realizar: acertar a quina, nadar um rio, viajar de avião pro estrangeiro, ficar de folga o ano inteiro, forrozeiar até o sol raiar, pescar em alto mar, pendurar seus versos num cordel, tocar violão na procissão, fechar um bordel, plantar uma horta… Mas quem se importa? Tinha o nome no mundo e gostava assim. E isso era tudo.

Um vermelho desses de batom barato borrado de desejo, de luz de bordel no fim de noite, de dose de Campari no copo sujo, da fumaça dos inferninhos dos pecados da cidade, do lenço do barão, do lençol do motel, do vinho no terraço… Som no tom das dores do mundo, dos gemidos da melhor amante, dos gritos da massa revoltada, das tardes de chuva fria e cinza, das torcidas, do coração pulsando em dó, da soprano de vestido vermelho cantando Lakmé, do blues sincopado mais triste do mundo, de improviso, como diva de casaco vermelho que desce a Augusta desviando dos bêbados e dos amores inacabados, de salto alto, de quem chega sem avisar e arranca suspiros, de batom rasgando o espelho com o recado do fim, do desterro, de quem parte pra nunca mais voltar, de inspiração eterna e pura… Muito prazer, Helen.

…final feliz se tornou um produto, perecível, comum, médio e sem muitas variações de tamanho, cor, sabor…
… felicidade sem fim – sem manual de instruções, simples, direta e certa – é o que todos buscam… É o que todos querem…

… quando o farol abriu, o coração dele acelerou ao ver ela atravessar a faixa até o outro lado da rua, até um ponto cada vez mais longe, até um outro lado do mundo, até perder de vista, até esquecer o telefone, o cheiro do cabelo, as gargalhadas… Titubeou em levantar e correr atrás dela, pegar pelo braço, olhar num enlaço, pedir pra ficar, beijar… Dava tempo – sempre dá. Limitou-se a sinalizar para o garçom que prontamente entendeu o que ele queria: amor. No entanto, naquele momento ele só tinha umas doses para anestesiar a dor da perda. Um trago, um cigarro….
– Essa noite vai ser longa pra caralho, pensou. Não chorou, mas sofreu – e como sofreu. Bebeu, engolindo o choro a moda cowboy, sem gelo. Saideira. Quem fica com a conta dessa culpa? Quem paga a gorjeta da desculpa? E o que vamos dizer para o garçom?

Não era pecado algum sentir cansaço. Alí tinha um coração improvisando batidas em impulsos de lamentos. Reclamou, chorou e gritou por tudo que aconteceu… Passou. Coisas boas e ruins aconteceram; aceitou as duas. Arquivou tudo e a lição mais importante deixou numa gaveta mais próxima: não era preciso muito para viver feliz. A vida dura era amortecida pelo coração mole e a alma de algodão. A esperança – essa ou uma outra droga alucinógena – tinha voltado e desacelerava, como trem na estação… Embarque. Lá, doutro lado, contrário, vinha ralentando a decepção, cheio de gente acostumada a aceitar um desembalo, um acalanto triste… Nem quis saber. Seguiu rumo a esperança…