… e percebeu depois de anos de escuridão fria e silêncios lentos que um dia de sol é melhor do que um dia de chuva. Doce harmonia: brisa do mar, areia nos pés, chinelos nas mãos, desejo de cantar Stevie Wonder, protetor solar e… Só. Já não precisa mais se proteger tanto da vida assim… Sol, água de côco, uma nova tatuagem e a vida em ondas como o mar, trazendo alegrias e levando solidões. “You are the sunshine of my life…”, cantou sorrindo discretamente… Discretamente feliz.
Ano: 2015


O sapato da gafieira já não traz o barro do terreiro, nem o desgaste da peleja. O homem segue pra igreja, ornando impecavelmente. Não tem aliança e hoje não tem dança. A bíblia nas mãos calejadas, guias no pescoço, um olhar ressabiado de quem chegou do interior, destreinado de tanto cinza, uma ou outra ferida na alma cheia de histórias pra contar e uma absurda esperança de… ser feliz. Triste, de terno escuro, só, balança a cabeça em sinal de negação e olha para o teto do coletivo como se perguntasse: Deus, o que eu fiz? Próxima estação…

… as coisas mais bonitas da vida surgem de forma simples e inesperadas, a gente não compra, nem usa. A gente ganha, vive, compartilha, emoldura no tempo, no momento em que percebemos que a vida é isso que vivemos quando não pensamos em felicidade – porque ela se apresenta pra gente cotidianamente como um prato de arroz e feijão, uma cerveja gelada, um lago para caminhar em volta, a volta de uma viagem, uma paisagem, um ingresso para o show da banda preferida, a lida com vitória, as histórias de amores, sucessos, saudades, amizades, verdades… De repente, terminam, como bolha de sabão leve e bela que ganha alturas e até estourar; duram o tempo suficiente e necessário para serem assim, simples e bonitas. Porque a vida foi feita para ser assim.

Enfim, chegou ao fim, mas ainda sentia o perfume e tinha o costume de acordar e admirar o sol nascer naquele olhar. Guardou os sonhos e de vez em quando sonhava os planos, Fim. Chegou o fim. Sabia que não tinha volta, mas se esqueceu a esperar, como barco ancorado na areia que nunca navegou por outro mar. Acabou. Sabia que era esse seu cruel desterro, como farol trancado numa ilha que nunca mais brilhou… Nunca mais.

Era tarde demais: deixou ela ir morar no estrangeiro com um gringo que nem sabia das suas manias. E aquela esperança de tudo se ajeitar… Já era e foi por pouco. Quase ficou louco, confessando para estranhos os erros que cometeu. Tocava Chico, era domingo, acabou o cigarro… Mais um último trago, sem jeito, com uma mágoa no peito e aquela esperança… Ah, maldita esperança!

Cada ônibus que passava tremia o chão e o coração, silenciando o pleito do acordeom – que rasgava a sua alma como papel e fazia dela um bilhetinho para cada um que o ouvia por alí. Foi uma desilusão que fez chegar alí. Foi a solidão que o fez ficar alí. Desilusão. Desilusão: danço eu, dança você, na dança da solidão. Último acorde. E ainda repetiria aquela música algumas vezes naquela noite… E nesta vida.

Nascida da nobreza e da ralé, tinha fé, tinha axé. Sambava, cantava, vivia… Não queria mais saber de sofrimento, nem viver só pra labuta – e era muita luta todo dia até chegar domingo, sem castigo, mas sem abrigo… Foda-se, pensou, nada era melhor do que nada… E nada era melhor que ser feliz… Ainda que só por mais uma noite.

… de repente o mundo se tornou um lugar muito grande para ele, mas ainda cabia em seu coração – mesmo sangrando como morango. Tentou lembrar a última vez que saiu por aí simplesmente para curtir a vida enquanto via ela acontecendo… O caos da massa movediça de ombros e chapéus trouxe uma pílula de paz para o seu coração e um alento instantâneo para sua alma: não estava mais só.

Outro trago era tudo que lhes restava. Mais um. Viciados em solidão, compartilhavam a cura passageira no mesmo copo. A sorte derradeira era poder enxugar o suor dos copos e das almas no mesmo pano aos domingos. Não tinham mais planos, mas muitos sonhos adormecidos pelo tempo eram sempre assunto naquela mesa: filhos, jogo do bicho, Opala preto, final de campeonato, Salvador, comida mineira, show do Roberto Carlos, casa, festa de aniversário… Sonhar era quase um castigo.

Era carnaval. Já ousava amanhecer. Ele anoiteceu na farra e ainda esperava por um amor – ainda que fosse desses de carnaval, anônimo e perecível, não mais surpreendente do que um desfile. Da concentração dos blocos à dispersão do porre, sentiu seu amor passar tão perto quanto o som da bateria que eclodia no seu peito, mas não o encontrou. Desfilou vaga e solitariamente embriagado de tédio. Triste foi do Paraíso à Consolação. Nem era quarta-feira quando entrou no coletivo lotado – como se ainda estivesse num bloco – e sumiu.