Lá no alto do morrão,
Ao fim da rua estreita,
Da Bahia de axé quente
Vive a preta mais valente,
Mora a dona do cordão.
Com seus mais de oitenta e tantos,
Vive arrumando quebrantos,
Alimentando confusão.
Dona Maria, preta e feita,
Com a vassoura e com fé,
Sobe em laje, varre folhas
Cantando e louvando em paz.
— “Mãe, desce daí, mulher!”
Mas ela não volta atrás.
Quer folhas secas e chuchu
Só pra acabar com a paz!
Filha chora, neto reza:
— “Vou filmar pro mundo ver!”
Ela não é preguiçosa,
Forte, ligeira e de fé.
Foi de escada em escada,
Na incansável jornada,
Subindo predestinada
Pra lavar o chão do céu.
Agora ri da comoção
Que deixou no coração
Da família em oração.
Pra Maria de São Pedro
Só ficar aqui no chão,
De onde não tire o pé —
Firme e forte como a fé.
Mais teimosa que o trovão,
Voa mais que avião!
Com seus anos bem contados
E os passos acelerados,
Pra domingo ir na igreja
Com vestido e véu rendado,
Achar tudo engraçado
E cantar hino afinado.
Se eu cair, Deus me levanta!”
E lá vai ela louvando
Uma ladainha santa
E gente se apavorando,
Filha liga pra dar bronca,
Neto liga pra emergência,
E todos numa só crença:
Para logo com essa encrenca!
Mas ela não tá nem aí!
Maria em cima da laje,
Faz o mundo ser o chão:
O joelho nem estala,
A coluna ainda suporta
E Maria diz sorrindo:
Subo em nome de Jesus
E daqui não saio,
Aqui eu não caio, não!
Ei, Maria, ouça aqui
Eu também vou subir aí
E não é por desagravo,
Nem falo por arrogado,
Mas fico bem preocupado.
Nosso Deus é milagroso,
Mas é muito perigoso
Ficar tão perto do céu!
Varreu quintal, varreu rua,
Agora fica na sua,
Ou vamos no delegado
Dar parte da tua conduta:
Tua luta é muito nobre,
Tua história é tão bonita,
Então, sai dessa berlinda
E só fica aqui no chão,
Desce na paz, não sobe mais
Ora, vigia e descansa
As folhas o vento leva,
O chuchu compra na feira.
A sua vida linda derradeira
Essa vida não se leva,
Esse amor não se compra!
Então, Maria, não apronta!