Enfim, chegou ao fim, mas ainda sentia o perfume e tinha o costume de acordar e admirar o sol nascer naquele olhar. Guardou os sonhos e de vez em quando sonhava os planos, Fim. Chegou o fim. Sabia que não tinha volta, mas se esqueceu a esperar, como barco ancorado na areia que nunca navegou por outro mar. Acabou. Sabia que era esse seu cruel desterro, como farol trancado numa ilha que nunca mais brilhou… Nunca mais.
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Era tarde demais: deixou ela ir morar no estrangeiro com um gringo que nem sabia das suas manias. E aquela esperança de tudo se ajeitar… Já era e foi por pouco. Quase ficou louco, confessando para estranhos os erros que cometeu. Tocava Chico, era domingo, acabou o cigarro… Mais um último trago, sem jeito, com uma mágoa no peito e aquela esperança… Ah, maldita esperança!

Cada ônibus que passava tremia o chão e o coração, silenciando o pleito do acordeom – que rasgava a sua alma como papel e fazia dela um bilhetinho para cada um que o ouvia por alí. Foi uma desilusão que fez chegar alí. Foi a solidão que o fez ficar alí. Desilusão. Desilusão: danço eu, dança você, na dança da solidão. Último acorde. E ainda repetiria aquela música algumas vezes naquela noite… E nesta vida.

Nascida da nobreza e da ralé, tinha fé, tinha axé. Sambava, cantava, vivia… Não queria mais saber de sofrimento, nem viver só pra labuta – e era muita luta todo dia até chegar domingo, sem castigo, mas sem abrigo… Foda-se, pensou, nada era melhor do que nada… E nada era melhor que ser feliz… Ainda que só por mais uma noite.

… de repente o mundo se tornou um lugar muito grande para ele, mas ainda cabia em seu coração – mesmo sangrando como morango. Tentou lembrar a última vez que saiu por aí simplesmente para curtir a vida enquanto via ela acontecendo… O caos da massa movediça de ombros e chapéus trouxe uma pílula de paz para o seu coração e um alento instantâneo para sua alma: não estava mais só.

Outro trago era tudo que lhes restava. Mais um. Viciados em solidão, compartilhavam a cura passageira no mesmo copo. A sorte derradeira era poder enxugar o suor dos copos e das almas no mesmo pano aos domingos. Não tinham mais planos, mas muitos sonhos adormecidos pelo tempo eram sempre assunto naquela mesa: filhos, jogo do bicho, Opala preto, final de campeonato, Salvador, comida mineira, show do Roberto Carlos, casa, festa de aniversário… Sonhar era quase um castigo.

Era carnaval. Já ousava amanhecer. Ele anoiteceu na farra e ainda esperava por um amor – ainda que fosse desses de carnaval, anônimo e perecível, não mais surpreendente do que um desfile. Da concentração dos blocos à dispersão do porre, sentiu seu amor passar tão perto quanto o som da bateria que eclodia no seu peito, mas não o encontrou. Desfilou vaga e solitariamente embriagado de tédio. Triste foi do Paraíso à Consolação. Nem era quarta-feira quando entrou no coletivo lotado – como se ainda estivesse num bloco – e sumiu.

Tocou como nunca fizera antes, despertando uma paixao adormecida e empoeirada como um velho piano desafiado. Não existia mais silêncio no coração dela: pulsava forte e leve como um bumbo em desfile das campeãs. A neve nos cabelos já precipitava um certo desconcerto para amar de novo… Mas o coração – ah, o coração – não tava nem aí. A moça e o moço nunca se viram e se reconheceram quando ela tocou a música que o coração dele queria ouvir. E foi bonito de ver e ouvir…

Quis perder o ônibus. Não tinha bilhete, nem relógio, nem medo, nem vontade de voltar. Eram quase oito quando percebeu um relógio por perto e sentiu que a hora de ser feliz estava por despertar como alarme… E ele já tinha acordado do sonho e levantado da cama há muito tempo…