O necessário e um pouco mais.

Categoria: Contos Page 5 of 9

Espelho

A gente vive encanando com coisas que não trazem o menor encanto. A gente vive buscando encontrar encanto em coisas velhas que foram jogadas de canto, em pessoas de almas amarrotadas, em histórias sem pé nem cabeça, de começo sem fim. Por fim, sabemos que no fim, da avenida, da vida, do filme, do refrão, vem a questão e vamos finalmente entender que não se deve partir – pessoas e corações. Nesse dia, talvez – quem sabe – estaremos de joelhos diante do espelho, com medo de se olhar nos olhos e se perguntar: e aí?

Fim

A gente vive encanando com coisas que não trazem o menor encanto. A gente vive buscando encontrar encanto em coisas velhas que foram jogadas de canto, em pessoas de almas amarrotadas, em histórias sem pé nem cabeça, de começo sem fim. Por fim, sabemos que no fim, da avenida, da vida, do filme, do refrão, vem a questão e vamos finalmente entender que não se deve partir – pessoas e corações. Nesse dia, talvez – quem sabe – estaremos de joelhos diante do espelho, com medo de se olhar nos olhos e se perguntar: e aí?

Violão

É (quase) sempre assim: a moça, o moço, a cidade e suas infinitas convenções. A vida é curta; a cidade, gigante e num instante acontece: alguém precisa de uma serenata, um beijo, um bombom, um abraço, um aperto, um amasso, um bilhete, um descompasso de coração com frio de bater de asas de borboleta na barriga para provocar um furacão na cabeça de quem se esquiva das paixões. Todos os dias caminhos cruzados deixam uma suave impressão de que o cupido anda cansado ou distraído. Tem muita gente construindo muitos muros, se fechando em quartos escuros, se lambendo para manter o ego maior e mais irrigado do que o coração. Sempre tem uma canção que diz sobre o amor e outras coisas. Óculos, pés descalços, descaso com o acaso. Mais uma espera pelo momento certo. Mais uma crença na pessoa certa. O destino sempre espera pelo tempo ao passo que o tempo voa como pluma, se dissipa e se perde, como acordes de um violão no meio da multidão passanda rumo ao meio dia até pra chegar a sexta-feira e celebrar o que há de melhor na vida… O que há de melhor na vida Com sorte, há de ser alguém normal que goste de você com todos os seus defeitos, que se encaixe como peça de Lego na sua vida; que de derrame como tinta de nanquim na sua agenda; que se espalhe como acordes de violão agora ao pé do seu ouvido; que entrelace os dedos e desejos; que, talvez, não compre flores nem tenha band-aid – e nem diga que te ama -, mas em silêncio te traga sonhos e café, te ajude a ter fé e acreditar todos os dias que a vida, o mundo, tudo… é bonito… E assim você perceba, com um sorriso de canto, quanto encanto há em ter alguém para amar…

Voltas

Enxergava muito além do universo em que estava. Muitos trambiques para espantar a solidão dos dias, entre os carros, como escravo da própria mente e de gente apressada que nunca viu ele dar risada – e há muito tempo ele já nem sabia mais o que era sorrir. Não tinha razão. Era (só) a razão. O mundo dando voltas e ele às voltas numa rebelião sem história, como um samba triste sem letra, como dedo em riste apontando um culpado, como solo sagrado para um ateu, como feriado que cai no domingo, como pecador de cai de joelhos e chora. Devagar. O compasso mudou e o passo rumo à outro destino menos atroz deu voz a seu coração… E pela primeira vez ele o seguiu sem nem querer saber até onde iria chegar. Simplesmente foi.

Canto

Tinha medo de avião e um violão que ajudava a contar sobre o amor e outras histórias. Tinha medo de avião, mas não do amor – ele achava engraçado uma geringonça pesada planar como pluma no ar. E assim se sentia: leve, a cada toque… Nunca foi amigo de muitos – nem da onça -, mas tinha amores a rodo, ao todo o suficiente para se sentir contente, pois a vida não passou em branco, não foi só pranto, tinha calor e cor. Um canto, o canto, o violão, um banco, um lugar o esperava para ele chegar e cantar. Colecionava algumas decepções que se tornaram músicas engavetadas no tempo, no compasso do seu coração cheio de lapsos. Extravasava as paixões que deixaram boas lembranças e sempre pensava: eu posso pensar que eu posso voar num grande avião que possa me levar pra dentro do seu – grande – coração… E fazia isso cada vez que pegava o violão e cantava… Poderia ter ido até ela, mas não. Foi por medo de avião, não do amor.

Dança

… eu andei, andei e voltei pro mesmo lugar.

Sempre vai tocar um samba triste num lugar cheio de gente alegre. Será breve – porque a alegria está nas batucadas mais atrevidas -, mas vai doer. Vai te fazer crer que muito do que se acreditava era furada. E você vai dar risada da sua tolice – e tentar fazer da queda passo de dança pra disfarçar a lambança que se fez.
Dó maior; lá menor.

Sol!

Então, samba.
Vai e volta dançando, sambando, cantando nesse salão que tem no peito… Deixa o choro pro cavaco. Sem baixo astral – só partido alto.

Amanhã é muito do que foi feito hoje.
Faz uma coisa: vai ser feliz. E basta.
Samba.

Frações

Bad, tédio, gripe – mas pra tudo tem remédio, pensava. Viajava em cada carro que passava vindo d’algum lugar para qualquer destino menos frio e resfriado. Suspirava vendo casais atravessarem na faixa. Respirava o cheiro de cidade e solidão. Quase entrou na igreja antes de desistir do café. A vida tava tão chata e estranha, mas tinha manha, pois sabia que a alegria viria logo cedo, pela manhã. Entardeceu maldizendo a vida; anoiteceu com uma fração de fé – a alegria vem pela manhã, não é mesmo? Só precisava que o coletivo chegasse logo para teletransportar seus anseios de volta ao lar. Um brigadeiro de panela e uma vitamina C. Talvez, bons sonhos… E a alegria rompendo a manhã… Amanhã, talvez.

Quimera

Tinha o mundo no nome e debaixo dos seus pés. Ganhou asas aos primeiros passos, desatou os laços e ganhou alturas. Todos dias ele caminhava sob a copa das árvores e pensava nos sonhos que ainda tinha pra realizar: acertar a quina, nadar um rio, viajar de avião pro estrangeiro, ficar de folga o ano inteiro, forrozeiar até o sol raiar, pescar em alto mar, pendurar seus versos num cordel, tocar violão na procissão, fechar um bordel, plantar uma horta… Mas quem se importa? Tinha o nome no mundo e gostava assim. E isso era tudo.

Helen

Um vermelho desses de batom barato borrado de desejo, de luz de bordel no fim de noite, de dose de Campari no copo sujo, da fumaça dos inferninhos dos pecados da cidade, do lenço do barão, do lençol do motel, do vinho no terraço… Som no tom das dores do mundo, dos gemidos da melhor amante, dos gritos da massa revoltada, das tardes de chuva fria e cinza, das torcidas, do coração pulsando em dó, da soprano de vestido vermelho cantando Lakmé, do blues sincopado mais triste do mundo, de improviso, como diva de casaco vermelho que desce a Augusta desviando dos bêbados e dos amores inacabados, de salto alto, de quem chega sem avisar e arranca suspiros, de batom rasgando o espelho com o recado do fim, do desterro, de quem parte pra nunca mais voltar, de inspiração eterna e pura… Muito prazer, Helen.

Saideira

… quando o farol abriu, o coração dele acelerou ao ver ela atravessar a faixa até o outro lado da rua, até um ponto cada vez mais longe, até um outro lado do mundo, até perder de vista, até esquecer o telefone, o cheiro do cabelo, as gargalhadas… Titubeou em levantar e correr atrás dela, pegar pelo braço, olhar num enlaço, pedir pra ficar, beijar… Dava tempo – sempre dá. Limitou-se a sinalizar para o garçom que prontamente entendeu o que ele queria: amor. No entanto, naquele momento ele só tinha umas doses para anestesiar a dor da perda. Um trago, um cigarro….
– Essa noite vai ser longa pra caralho, pensou. Não chorou, mas sofreu – e como sofreu. Bebeu, engolindo o choro a moda cowboy, sem gelo. Saideira. Quem fica com a conta dessa culpa? Quem paga a gorjeta da desculpa? E o que vamos dizer para o garçom?

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