Cheiro de chuva de fim de tarde. Arde a chapa e esconde a agradável essência do café… Sabe como é: segunda-feira, incêndio, remorsos, fotos, café ou cerveja nas mesas já revestidos de feriado e cada um já sabe o seu lado. Ela escreve – poesia? – e ouve Nirvana; a outra fala sobre o dia, os planos de final de ano, as promessas de emagrecer, eliminar matérias, limar gente que não que presta da lista telefônica, namorar ou se aventurar a ter um bicho de estimação no apartamento – a mesma coisa. Café esfria, cerveja esquenta, muita conversa de gente que só lamenta. Uns beijos, uma porção de queijo, trânsito, chuva, calor e alguém passa cantando Cazuza. Daqui a pouco já é Ano Novo de novo. O tempo não pára – não pára, não.
Ano: 2015 Page 1 of 2

O menino na selva de pedra, olhando pro céu como quem caça pipas, inerte diante da massa movediça de carros da rodovia. Que agonia é ter que dividir o seu quintal com tanta gente louca, sempre apressada, que passa, acelera, fecha de pirraça, transita – ou parasita – por alí sem nem perceber o menino brincar, sem nem aceitar que o tempo passou, que já foi criança, que na lembrança não tem pião, bola de gude ou rolimã… Segunda, fim de tarde, um menino, pipas no céu, pés no chão… Lá vai – lá doutro lado – um homem, um coração na mão…

A vida é assim mesmo: um jogo. Play. Chove lá fora; queima aqui dentro – leito de escuridão. A vida sempre dá o seu jeito e ele fica na contra mão. Caçapa do canto. Toca rock, pop, blues… A noite é uma criança mesmo. Brinca. Trinca os copos e uns corações também… Play.

Nem era sexta quando decidiu: é hoje que vou me apaixonar, então toca um samba aí, dos bons! Palco armado, luzes, sons, ambiente de anseios suspensos como fumaça e o lugar cheio de gente cheia de coisas pra mostrar pro mundo – ou para alguém que fosse. Mais uma e essa desceu doce, como se alimentasse aquela alma vagando pela noite, em busca de um hiato na vida dalguma alma que lhe provesse atenção e um norte pro seu coração. Sempre tem a história da moça e do moço, a cidade, o pretexto, um desfecho… Mas naquela noite não teve jeito, com decote e sem norte, permaneceu forte no mesmo leito de tédio. Só, saiu do canto, foi cantar, dançar, beber e acreditar que talvez era esse o seu jeito de ser feliz. Ancas leves, pele suada e um certo desconcerto ao entoar o velho refrão: ex- amor…

Distraído, olhava pro céu e achava moedas no chão, enquanto voava por aí sem a mínima direção, em busca de descanso, de um abraço, um lar… De novo, estava alí, no balcão, o mesmo bar e no fundo do copo sujo encontrava perdão por seu coração. Só mais uma dose, um trago, um cigarro solto… A vida já tinha dado o troco e o resto era improviso.

A moça e o moço na mesma cidade esperam encontrar o amor. Eles não sabem o ofício um do outro, nem o nome, a devoção por rock, o gosto por lasanha e viagens só de mochila. Ele não sabe dela, mas já tenta encontrá-la há tanto tempo que ela, que sempre procurou por ele, já se cansa da espera e passa tardes e estações a se perguntar: onde você está? Sorriem um para o outro em pensamento e quando o dia termina se perdem, como quem acorda do sonho – porque foi só um sonho? Queriam que fosse pra sempre, que não tivesse fim – mesmo sabendo que até o que foi feito pra durar pra sempre um dia tem fim. Se desejam e desejam se encontrar, mas não sabem onde procurar, mesmo estando tão perto, na mesma cidade…

Só mais uma dose, um trago, talvez um cigarro. E lá se vai mais um dia, que começou com o leite frio esmaecendo o café quente, gente apressada, notícias do tempo e pensamentos sobre o que realmente vale a pena nesta vida, que rompem o dia até chegar alí. Só mais uma dose, é muito assunto e a cerveja esquenta; a peleja é muita e alguém lamenta não ter a coragem de tentar fazer o que gosta, de ficar com quem ama, nem que seja para trocar o drama por ficção – porque a vida está esquisita aqui desse jeito. Mais uma dose, só esse pleito: saideira, caidera, derradeira… Sem respostas, sem conclusão, só muita indagação. Já é tarde. Televisão ainda ligada, já começa a madrugada. Daqui a pouco começa tudo de novo. Um homem varre os cacos de almas despedaçadas e avisa que vai fechar. Agora, só resta dividir o que sobrou dos sonhos e a conta…

De repente ficou mais fácil encontrar alegria: era só uma questão de afinação e compasso. Sem laços, sem muita noção, sem pensar demais, já era capaz de sorrir para qualquer novo amor ou paixão que por descuido surgisse em seu caminho e quase como num acidente se chocasse com seu olhar distraído, na cadência (de) bamba de suas ancas atrevidas, de seu perfume boêmio, coração malandro batendo como pandeiro em contraponto à sua alma vibrando como as cordas do violão. Nem era carnaval e ela desfilou.

Foram muitas as andanças – e só parou quando encontrou o seu lugar, de paz e perdão. E sentiu que este lugar estava tão perto quanto distante: dentro de si. Não era uma jornada de auto conhecimento – e como poderia ser com os pés tão castigados de chão, camas de cimento, chuva, relento, só a sombra contra o sol como companhia, nenhum cão… Ah, quanta dor e tormento a vida lhe ofereceu e nem teve tempo de recusar. Falava pouco e não pedia nada pra ninguém – só pra Deus, de vez em quando…